“Algo de podre se esconde no Ministério da Justiça”-Reinaldo Azevedo

Ministro da Justiça afronta o Supremo e ainda tenta intimidar Cármen. E aí?

Por Reinaldo Azevedo/UOL
Compartilhado por Central de Jornalismo

A ministra Carmen Lúcia, do Supremo — e, por extensão, o próprio tribunal — terá de pensar que resposta dará para a escancarada afronta que lhe faz o ministro da Justiça, André Mendonça. Na prática, ele se negou a prestar informações pedidas por Cármen e ainda teve a ousadia de dizer a ela como deve se comportar. É um escracho. Já explico. Antes, algumas considerações.

Algo de podre se esconde no Ministério da Justiça e vai além das condições intelectuais, ou da falta delas, de seu titular. O bolsonarismo sempre operou dois modos de corrosão da institucionalidade: um dele é explícito; revela-se por meio da afronta à legalidade e do discurso abertamente golpista. Está em baixa no momento. Até Jair Bolsonaro percebeu que era contraproducente. O outro é subterrâneo e implica a subversão da ordem em ações menores, sorrateiras, sem grande alarde. A política de armas de Bolsonaro é o melhor exemplo. Voltemos a Mendonça.

Já está claro, e o ministro não nega, que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça, faz o monitoramento de 579 servidores públicos que poderiam, a seu juízo, representar algum risco à segurança porque identificados com movimentos antifascistas. O fruto desse trabalho está em relatório secreto. Mendonça alega tratar-se de material de “Inteligência”. Quem revelou a existência da operação foi o repórter Rubens Valente, do UOL.

Pois bem. O partido Rede Sustentabilidade recorreu ao STF com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) apontando a óbvia violação de direitos de tal prática, pedindo a sua imediata suspensão por meio de liminar. A Rede quer ainda outras providências. Já chego lá.

Antes de tomar qualquer decisão, Cármen enviou um pedido de esclarecimentos à pasta, anotando em seu despacho que, “a se comprovar verdadeiro, [o fato] escancara comportamento incompatível com os mais basilares princípios democráticos do Estado de Direito e que põem em risco a rigorosa e intransponível observância dos preceitos fundamentais da Constituição da República”.

Mendonça já encaminhou as explicações:

  • enviou à ministra relatório da Seopi assegurando não haver “qualquer procedimento investigativo instaurado contra qualquer pessoa específica, muito menos com caráter penal ou policial”;
  • diz que os relatórios são sigilosos, com acesso restrito, e que não são passíveis de ações criminais;
  • sustenta que a divulgação de um relatório de Inteligência afetaria a imagem do Brasil no exterior e exporia o país à risco. O doutor chega a escrever que o acesso acarretaria “desdobramentos em incontáveis frentes, a exemplo da elevação do risco país no setor econômico, da perda de parceiros no combate aos ilícitos transnacionais, do incremento na dificuldade de adesão à OCDE, da ruptura de canais diplomáticos e da perda de protagonismo global”.

Bem, se a coisa tem essa gravidade, então precisa mesmo ser desbaratada. Estamos diante de algo perigoso. E a explicação é ridícula.

Segundo Mendonça, o decreto que criou a Seopi delegou ao órgão, “enquanto agência central, como atividade de rotina, obter e analisar dados para a produção de conhecimento de inteligência em segurança pública”. Pergunta-se: isso implica eleger um grupo de cidadãos para submetê-los a um monitoramento — ao arrepio do controle da Justiça e do Ministério Público — que ninguém sabe o que é e com qual propósito? Mais: por que Mendonça demitiu Gilson Mendes, que seria o responsável por reunir os dados dos servidores?

Na ADPF, a Rede pede ainda:

  • a imediata remessa do conteúdo ao STF;
  • que o Ministério da Justiça se abstenha de produzir material dessa natureza;
  • a abertura de inquérito para investigar o caso.

Além de, na prática, não fornecer à ministra informação nenhuma, Mendonça ousou ensinar-lhe o seu trabalho, alertando-a para que o STF tenha “parcimônia e sensibilidade” e que considere a “autocontenção” e o “equilíbrio entre os Poderes” ao tomar uma decisão a respeito do caso.

Ou por outra: o sr. ministro da Justiça está a dizer que ou tudo permanece opaco, e ilegal, como está ou se caracterizará um choque entre Poderes. Mendonça reivindica o suposto direito de criar bases para um estado policial.

Caberá à ministra fazer valer a Constituição ou se deixar intimidar e engolir brasa acesa. Vai ser o quê?

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Fonte Segura: Central de Jornalismo

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