Crônica S/A – Crônica do não

Vicente Sá

O médico me disse, depois de olhar e reolhar os meus exames, que estava tudo bem. Taxas normais, glicerídeos, subtendidos e outros poemas concretos que não lembro mais. Fez uma pausa, a mesma que minhas tias faziam antes de me dizer que eu era um bom menino, mas muito irresponsável e recitou: você tem que se cuidar. A idade, você sabe, pesa contra você. Beba muita água, mesmo quando não tiver sede. Coma legumes – sem sal! Nada de comidas de rua, tipo acarajé, rabada, feijoada, essas coisas que são gostosas, dão prazer, mas nos fazem muito mal.Olhou de novo os exames e concluiu: nada de farra, bebidas, sexo pouco, aliás, tudo pouco, assim você vai poder prolongar sua vida.Desci as escadas, já que ele também me proibira os elevadores, me sentindo quase um homem morto. Lembrei-me das jovens mulheres de tempos passados que quando descobriam o prazer da fornicação antes do casamento eram enclausuradas em conventos, para nunca mais ver ninguém.Eu vinha do oitavo andar, mas no quinto minha rebeldia se manifestou e peguei o elevador.O rapaz, ascensorista, me olhou um bom tempo e comentou: o senhor deve está vindo do Doutor Olavo. Ele é um saco. Manda todo mundo parar de viver. O senhor parece ser um cara legal. Quer saber: mude de médico.Se não foi deus, foi Manuel Bandeira ou Cora Coralina que me fez pegar aquele elevador.Desci no térreo e sem me virar, talvez um pouco envergonhado de ter dado tanto crédito a um banana, com a mão disse adeus ao rapaz e terminei de salvar minha vida.Já no ar puro e livre da tarde disse comigo mesmo: vá pra merda seu doutor. Pra que quero continuar existindo se não puder viver. Se não puder fazer as coisas que me dão prazer? Quer saber – não pra você. Talvez por coincidência um passarinho cantou um tititi lindo. E acho que nunca ninguém disse um não tão colorido de sim.Vicente Vicente SaPS: As Crônicas S/A, agora, estão sendo publicadas nos portais – Central de Jornalismo – www.centraldejornalisamo.com.br e www.aultimafolha.com.br e transmitidas pela Rádio Esplanada FM, todas as segundas feiras às 9 horas da manhã. Os leitores que quiserem ouvir minhas histórias pela minha voz devem acessar o site www.radioesplanadafm.org ou usar o aplicativo radiosnet.com. Até o próximo Domingo ou até amanhã

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