Concentração de riqueza e poder: como não construir um país

Por Carlos Fernando Galvão para o Central de Jornalismo

No dizer do sociólogo José Ruy Lozano (Le Monde Diplomatique Brasil, setembro de 2018, p.10, “Entre histéricos, demagogos e financistas”): “Quanto mais um pastor, um arador ou qualquer outro camponês souber sobre o mundo e sobre o que lhe é alheio ao seu trabalho ou emprego, menos capaz será de suportar as fadigas e as dificuldades de sua vida com alegria e contentamento”.

No entender do autor, grupos como a Fundação Roberto Marinho ou o Itaú Cultural ou Fundação Lehman ou o Grupo Kroton articulam políticas públicas educacionais dentro do poder público e depois, vendem serviços para suprir as novas demandas que o trabalho constatou ou que surgiram, após concluído o referido trabalho. E esse exemplo do setor educacional vale para qualquer outro setor, porque o modo operacional é similar.

A Kroton ou a Ática ou Scipione ou a Saraiva ou… preparam apostilas e livros para serem comprados pelo poder público, em face da pré-moldagem das instituições aqui mencionadas; esse material é, já de há muito tempo, a principal fonte de receita dessas editoras.

Em outubro de 2018, o governo federal autorizou uso de verba pública para financiar pesquisas em instituições privadas de ensino superior. Fundos públicos sustentando empresas privadas (como aqui exposto ou pelos juros extorsivos que praticamente só os pobres e a classe média pagam ou … – propugnados por nossos pseudo-liberais), mas são o Bolsa Família, a Previdência e os salários dos servidores (em que pese o fato de que, efetivamente, alguns realmente ganham muito, mesmo, como juízes e procuradores – a maioria dos servidores públicos têm estabilidade, o que é um ganho, claro, mas não ganha tanto quanto a má propaganda ideológico quer fazer crer) que provocam rombo nos cofres públicos!

Para Lozano: “Enquanto os palhaços ocupam o palco e distraem o público, os diretores do espetáculo fazem seu trabalho discreta e minuciosamente. Como diria Mandeville, nada de desejos; apenas o necessário ao trabalho… e ao lucro”. Tal fala faz parte da crônica das eleições de 2018: muita mentira, com o apoio das classes abastadas e com o beneplácito da grande mídia corporativa e de parte da justiça brasileiras, ora encurraladas em seu próprio reacionarismo escravocrata e injusto, que fez com que o secundário, como a “mamadeira de piroca” fosse discutido, enquanto o principal (as políticas públicas que seriam, efetivamente, postas em prática e que levariam a mais concentração de renda e de poder) foi sendo construído, “por baixo dos panos”, sem que muitos percebessem, embora outros tantos, ou até mais, dos seus eleitores, tenham votado sabendo disso e tenham achado muito lindo.

A fala de Lozano é forte e o sentido, também. As máscaras sociais caíram: quem ainda apoia estes governos fascistas, desumanos e castradores ou é mal intencionado e ganha com eles ou é muito, mas muito desinformado e/ou limitado ou, infelizmente, concorda, em parte ou no todo, com eles; é, pois, tão ruim, falso, racista, preconceituoso e não se incomoda tanto quanto diz com o nível de corrupção que nos assola, desde que ela seja considerada “patriótica, em nome de Deus e da família”.

No dizer de José Luís Fiori (A ordem mundial do petróleo, JB (Jornal do Brasil) de 10/07/18, p.8, seção “Opinião”) mostrou que as guerras Irá x Iraque (1980-1988) e a do Golfo (1990-1991), somadas ao fim da URSS, em 1991, provocaram grave crise na produção e no abastecimento do petróleo e o consequente enfraquecimento da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Em 1998, grandes fusões ocorreram entre as petroleiras: a Exxon-Mobil, a Conoco-Phillips, a Chevron, a BP, a Total e a Statoil-Hydro. O mercado de commodities (mercadorias, basicamente, matérias primas comercializáveis pelo mundo) entrou em crise. Já há décadas, pouco mais de 80% do mercado de óleo bruto é dominado por estatais e o Brasil continua a entregar o Pré-sal, uma das maiores reservas de petróleo e gás do mundo.

O governo alega que está privatizando, mas estão vendendo nossas estatais para… estatais estrangeiras! Não faz sentido retirar o Estado brasileiro, sob a alegação de que o privado faz melhor e depois, entregar tudo de bandeja para os “gringos”! Ou faz? Com certeza, para os países ricos e para as classes dominantes brasileiras, que estão lucrando e ainda vão lucrar muito com nossas riquezas, ora privatizadas, faz todo sentido! Porém, até quando vamos permitir sermos explorados e ainda achar ótima, a situação?

Esses são apenas alguns dos exemplos que demonstram que o projeto de país que estamos construindo, ou melhor, que estamos deixando que construam em nosso nome, é-nos, inquestionavelmente, elitista, classista e, como tal, concentrador de renda e de poder político. No melhor cenário, teremos um país que se manterá entre os 10 países mais ricos do planeta – sim, somos um país rico, embora de povo pobre e dizer que somos de renda média porque a riqueza foi dividia pelos cidadãos é uma falácia, para dizer o mínimo, posto que isso seria verdadeiro se a riqueza fosse “igualmente” ou, ao menos um tanto menos desequilibradamente distribuída. A renda brasileira, bem como as estruturas de poder social são extremamente concentradas, o que nos faz um país, como disse há pouco, rico, mas profundamente injusto.

Não será acreditando em “salvadores da pátria”, à esquerda, ao centro ou à direita, que mudaremos este quadro, mas sim acreditando em nós mesmos, em nossa criatividade, em nossa capacidade de estudo e de trabalho, em nosso senso de solidariedade coletiva e de generosidade pessoal. Finalmente, será acreditando e praticando uma democracia verdadeiramente participativa, para muito além de protestos em redes sociais, que conseguiremos reconstruir este país de um modo soberano, afetivo, justo e democrático.

*Carlos Fernando Galvão, Geógrafo e Pós Doutor em Geografia Humana

Administrador

Fonte Segura: Central de Jornalismo

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