A turba esperava que Bolsonaro anunciasse, em Brasília e na Paulista, os próximos passos em direção ao poder absoluto. E o que o sujeito ofereceu ao seu povo foi de novo o medo de ser preso.
Por Moisés Mendes
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Central de Jornalismo
07 de setembro de 2021
Preocupam-se os democratas com o discurso com um tom um pouco acima do usual. Mas saem frustrados os que foram às ruas certos de que o Dia da Independência seria o começo de alguma coisa maior.
Não houve quase nada além do previsto, mas o discurso requentado das ameaças e das agressões. Tudo o que Bolsonaro gritou em Brasília e na Paulista já havia sido dito antes.
As advertências aos ministros do Supremo, a apresentação das três hipóteses (ser preso, morrer ou ser vitorioso), a insinuação do golpe como coisa que deve ser decidida logo e a conversa chata do voto impresso.
A novidade, porque explicitou o que vinha sendo sugerido, foi o anúncio de que não cumprirá mais “qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes”.
Mas há um detalhe. Bolsonaro disse que “esse presidente” não cumprirá as decisões. E os filhos, envolvidos em dois inquéritos, das fake news e dos atos pró-golpe, poderão cumprir? Moraes preside os dois casos.
É possível que Bolsonaro tenha insinuado que os filhos também estão protegidos pela sua decisão de afrontar as decisões do ministro do Supremo? E se um dos garotos receber ordem de prisão?
Bolsonaro requentou, com amplificação, o que já diz nas falas do cercadinho do Alvorada e nas lives de quinta-feira.
Ficou a sensação de que não soube aproveitar a chance de avançar. Ganhou dois palcos gigantescos, diante de plateias que nunca havia reunido, e apresentou mais do mesmo.
Bolsonaro não tem repertório para grandes públicos e não entregou o que estava prometendo. O bolsonarista incondicional, que fez longa viagem de ônibus para ver Bolsonaro, em Brasília ou São Paulo, não teve o que esperava.
O público não queria mais um aquecimento para o golpe. Esperava o sinal tão esperado da deflagração do golpe.
Bolsonaro acovardou-se e agora mergulha numa ressaca profunda, se não conseguir inventar a próxima etapa. Será preciso retomar o roteiro, se é que existe, depois do que aconteceu nessa terça.
Bolsonaro pode ter ficado à espera do imponderável, do fato surpreendente que acionasse o caos. Poderia ser uma briga gigante de militantes dos dois lados e, quem sabe, até uma morte. A invasão do Supremo?
O sujeito aguardava algo que paralisasse a política e as instituições, acionasse mecanismos de exceção e lhe assegurasse, mesmo que provisoriamente, o poder absoluto.
Vem agora a depressão pós-sete de setembro. Bolsonaro não quer a eleição. Ser humilhado por Lula é o pesadelo do genocida. Tudo o que Bolsonaro deseja é um evento qualquer que interrompa o processo até a eleição do ano que vem.
O ideal seria o golpe. Mas pode ser a cassação da chapa, que levaria seu inimigo Hamilton Mourão junto. E pode até ser o impeachment. Tudo, menos a eleição.
Essa é a armadilha para as esquerdas. Bolsonaro deseja, se ficar de fora da eleição, ser transformado em mártir. Ele precisa se reafirmar como vítima do sistema, por achar que assim poderá espernear e sobreviver.
Mas sabe que não sobreviverá a uma derrota avassaladora para Lula. Bolsonaro está, em desespero, em busca de uma cruz.
Por: Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.