Por Vicente Sá
Para Ana Suassuna
Central de Jornalismo
27 de outubro de 2022
Quando menino, eu ouvi a expressão: “seguro morreu de velho, desconfiado até hoje é vivo”. Mesmo sem entender direito, gostava.
Outro dia, e é aqui que a história engatinha, ouvi de um amigo das antigas, que foi lutador de judô na nossa adolescência e hoje trabalha no Serviço de Inteligência do Governo, se é que este governo tenha alguma inteligência, um papo que mostrou que esse conceito ainda é usado.
Manoel, ou Maneco, como a gente o chamava na época do Cabeças, me procurou e num banco, onde um dia vai ser uma praça, na 710 Norte, me perguntou, apreensivo, se eu estava envolvido com a independência da Asa Norte.
Diante da minha cara de espanto, explicou que eles estão monitorando um grupo que planeja, há dois anos, tornar a Asa Norte um país. Este grupo, que utiliza a internet dark, republica minhas crônicas e exalta a liberdade. Segundo Maneco os revolucionários já conseguiram a adesão da Vila Planalto e do Paranoá e estão montando até um gabinete de governo.
- A coisa tá séria pro teu lado, Vicente. Nonato Veras, teu parceiro, seria indicado para o Ministério da Música. O Fino, do Liga Tripa, cuidaria da Secretaria de Agricultura Caseira Alternativa e um outro amigo seu, Pedro Cesar Batista, seria Ministro da Cultura.
Eu não sabia se ria, temia ou comemorava. E ele continuou. - Até um hino da Asa Norte Livre está sendo composto com uma letra psicografada de João Bahiano e música de Caloro, do Liga Tripa, e será gravado por Célia Porto, com arranjo de Rênio Quintas. Tudo gente que você conhece, e assim, tudo te complica.
Eu, agora já um pouco preocupado, levei o Maneco até a venda de dona Lurdes e comprei duas latinhas, pois é sabido que o brindar de uma cerveja não só rima como facilita nossa defesa.
E foi aí que ele concluiu: - Mas tem o outro lado. A nossa análise final diz que o Lula vai ganhar a eleição e que esses movimentos separatistas perderão força. Mas ainda falta uma semana, então fique alerta. Sou teu amigo e por isso vim de avisar.
Com a chave do carro na mão Maneco riu e de disse como quem faz a última piada do show: - O Filósofo da Asa Norte, teu mentor intelectual, terá o Ministério da Filosofia para comandar, já você, mesmo considerado, não terá cargo nenhum. Tá vendo como é que é?
E já fechando o vidro do carro disse: - Oficialmente, nós nunca nos vimos. Se cuida, adeus.
E como na Asa Norte e nas minhas crônicas a vida não para, assim que Maneco saiu o Filósofo chegou.
Sentou ao meu lado e sorriu largo, contente. - Conheço esse cara e imagino que ele veio de falar do movimento. Liga não. A Asa Norte, no seu modo de ser, já é independente. E pra fechar alegre tua crônica, te falo um poema de B. Maranhão:
“Se queres mudar a cor da vida, pinta ela com tua lida.”
Aceitei o poema e caminhei com ele. Mas confesso que gostei da bandeira que meu neto fez e esse hino, que eu soube que é samba, vai ficar é bom!
Bom domingo
Vicente Sá
Ilustração de Guilherme Leão