Crônica S/A – Santa Rosinha

Vicente Sa

O frio chegou de repente e brabo. A cidade botou casaco e até os moradores de rua deram um jeito de se agasalhar mais. Outra noite, vi gente distribuído agasalhos e cobertores, o que me aqueceu um pouco o coração e me reascendeu a esperança na humanidade. Estávamos, pra variar, caminhando pela asa mais querida, eu e o FAN, Filósofo da Asa Norte e ele comentou:- Veja aquele homem, olhe como está agradecido, mesmo com toda a dificuldade que tem em sua vida, consegue enxergar a parte boa do ser humano. Já outras pessoas, reclamam de tudo e vivem a resmungar.Pensei logo no Otávio, um amigo em comum que não se cansa de reclamar da vida e, mesmo tendo a sua tranquila e com poucos problemas, sempre acha um jeito de ver a parte menos bonita e ressaltá-la.Nós nem mais falamos nada do seu modo de agir porque aprendemos com o FAN que a amizade coloca os defeitos e as virtudes no mesmo patamar e os transforma em características. Assim, para nós, é o modo dele ser, queiramos ou não.Passamos depois no bar do Alexandre, na 703 e não é que o Otávio estava lá, numa mesa, com um livro e nos chamou para sentar. Mal pousamos e ele foi dizendo:- Cuidado, com esse frio todas as cervejas estão geladas, mesmo se alguém gostasse delas mornas e pedisse, não seria atendido.Concordamos e perguntamos o que ele estava lendo. Nos mostrou um livro de Rubem Fonseca e reclamou que era muito bem escrito, não tinha nem uma parte ruim onde ele pudesse dar uma parada para descansar.- Assim fica difícil, tenho que ler praticamente de uma vez, fico cansado. Bem que ele podia ter caprichado menos.Como amigos dele que somos, concordamos e pedimos cerveja e um conhaque para rebater o frio que, decerto, diria o Otávio, ela nos traria ao organismo.Após darmos notícias de nossos familiares ao Otávio, ele nos comunicou, com o ar sério, que utiliza quando vai reclamar de alguma coisa, estar deixando seu encargo de síndico do prédio onde mora:- Não dá, com aqueles moradores não dá. Ninguém reclama de nada, comparecem a todas as reuniões e até mesmo a minha administração os agrada.- Como é que eu posso administrar as insatisfações do prédio se ninguém as tem, se é todo mundo tão satisfeito. E eu que escolhi aquele prédio porque achava que ele era cheio de problemas…Já nos preparávamos para sair quando ele fez a confissão final:- Acho que cometi um grande erro em me separar da Rosinha. Estou tentando conquistá-la novamente. Esta vida de solteiro é muito desconfortável para mim e no final das contas, mesmo com toda a paciência e as mil qualidades que a Rosinha tem, ela sempre pode, uma hora ou outra, cometer um erro. Eu é que fui muito apressado e imprudente. Torçam por mim.Em respeito à nossa amizade, saímos sem proferir palavra alguma e, se fossemos católicos, provavelmente, nos benzeríamos na esquina, com pena da Rosinha. Mas no final das contas e da crônica, se existe alguém que pode viver com o Otávio, é ela. Uma moça maravilhosa que sempre foi e sempre será tratada pela turma como Santa Rosinha. E sei que os leitores, quando a encontrarem, também a tratarão assim, se tiverem conhecido o Otávio, é claro.

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