Por Caco Schmitt
Jornalista, roteirista e diretor. Trabalhou na TV Cultura/SP como diretor e chefe da pauta do jornalismo; diretor na Agência Carta Maior/SP e na Produtora Argumento/SP. Editor de texto no Fantástico, TV Globo/SP. Repórter em vários jornais de Porto Alegre, São Paulo e Brasília.
Junho foi o mês mais duro de toda a quarentena iniciada em 19 de março. O relógio entrou em modo câmera lenta, o tic-tac martelou sadicamente os primeiros dias do inverno. Dia após dia sem solução e com repetição das mesmas tragédias: omissão criminosa que permite ônibus lotado; falta de UTIs; falta de medicamentos; fingimento de quem diz estar “tomando todas as precauções”; enfim, falta de vergonha na cara dos que comandam prefeituras, estados ou poder federal. Depois de 100 dias, faltam até palavras…
Por falta de uma melhor definição do tempo que ficou pra trás é que não escrevo há 11 dias. Mas um recado que vem da China me fez voltar. Os chineses alertaram: “não vamos mais importar carne de frigoríficos que tiverem trabalhadores infectados pelo novo coronavírus”. Ufa! Agora, haverá pressa para acabar com esse massacre nos frigoríficos. No Rio Grande do Sul, o Ministério Público provou que um em cada quatro pessoas infectadas no estado trabalha em frigorífico, ou pertence a sua rede de relações. Nada fizeram! Será que agora vão acabar com esse abate humano? Afinal, o rebanho animal do Brasil precisa ser exportado, mesmo com o sacrifício do rebanho humano da força de trabalho.
Em junho me senti um trabalhador de frigorífico à espera do contato inevitável com o vírus. E me veio à mente a tal “imunidade de rebanho” defendida por cretinos homicidas. Eles jogam comerciantes, pequenos empresários, os pobres, todos contra o distanciamento social. Deixam o povo apertado nos ônibus, indo e vindo do trabalho. Não garantem o sustento das pessoas como os governos dos países civilizados fizeram. Deixam morrer os idosos que amargam seus últimos dias em casas de acolhimento sem fiscalização sanitária e focos de epidemia. Condenam à morte diabéticos, cardiopatas, os que sofrem de alguma doença renal, pulmonar porque esses não terão tempo de serem protegidos pela imunidade de rebanho, morrerão antes.
Imunidade de rebanho é o efeito de proteção de uma população quando uma percentagem alta se vacina contra uma doença. Aí, mesmo quem não está vacinado fica protegido. Como no sarampo, com 95% das pessoas imunizadas, o vírus não circula mais, a doença desaparece. Mas isso não acontece com a covid-19. Não existe vacina, o que eles querem é que milhões peguem o vírus, não apresentem sintomas e criem a tal imunidade de rebanho. Sem sacrifício da economia, mas com sacrifício de vidas humanas. Temos que exportar carne… Mas o contágio cresce com enorme velocidade e está matando muita gente. Sem vacina não existe imunidade em massa, só extermínio. O brasileiro gosta de viver em muvuca, aglomerado em feiras, estádios, festas juninas, carnaval. É da natureza, mas hoje, em meio à pandemia, segue apertado em ônibus, trens e barcas porque precisa prover o sustento e porque criminosos permitem. Deveriam estar separados, distante socialmente e protegidos pelo Estado.
Junho passou, finalmente, que venha julho, o pior mês para o sul do país. Não tem problema, seguimos resistindo no distanciamento social, na quarentena, e mesmo que as horas passem a cada dia mais lentamente, seguiremos à espera da vacina da Oxford ou da China. Quero distância dessa imunidade de rebanho criminosa e forçada e seguir resistindo com atitude e solidariedade, com ou sem palavras.
DADOS DE HOJE DA COVID-19 NO BRASIL: 1.408.485 casos e 59.656 mortes. Segundo dados das secretarias estaduais de Saúde do país e tabulados pelo consórcio de imprensa.