Jair Bolsonaro (PL) voltou nesta terça-feira (10) ao Supremo Tribunal Federal (STF) para prestar depoimento no inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Durante quase duas horas de interrogatório, o ex-presidente adotou uma estratégia de negação parcial: negou a existência de um plano golpista, mas admitiu conversas com comandantes militares sobre “hipóteses constitucionais” diante da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas.
A oitiva foi conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, e contou com a presença do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Bolsonaro chegou com um pen drive e anotações manuscritas, numa tentativa de construir uma narrativa defensiva já desgastada. “O golpe não existiu”, afirmou diversas vezes. Ainda assim, reconheceu que houve “preocupações” com os rumos do país e que se reuniu com líderes militares para discutir possibilidades de ação, após contestar a legitimidade das eleições sem apresentar provas.
Retórica golpista e tentativa de naturalização
Bolsonaro não negou o conteúdo das falas golpistas que circularam amplamente durante seu mandato e após sua derrota, mas tentou reclassificá-las como “preocupações democráticas” ou “exageros retóricos”. “Se eu exagerei na retórica, devo ter exagerado com toda a certeza”, disse, sem demonstrar arrependimento. A fala ecoa o padrão já conhecido: atacar as instituições, questionar a democracia e, quando confrontado judicialmente, buscar relativizar sua responsabilidade.
A tentativa de autovitimização também esteve presente. Ao mencionar o conteúdo do pen drive, Bolsonaro afirmou que trouxe declarações de outras figuras políticas que, no passado, também questionaram as urnas — como Flávio Dino e Carlos Lupi —, numa tentativa de nivelar sua conduta com críticas feitas em contextos completamente diferentes. “Eu não estou inventando nada”, disse.
Minuta do golpe e articulações militares
Um dos momentos centrais do depoimento foi quando o ex-presidente foi questionado sobre a chamada “minuta do golpe”, encontrada com Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens. O documento previa a decretação de estado de defesa no TSE e a anulação das eleições. Bolsonaro reconheceu saber da existência do texto, mas tentou se desvincular dele: “Nunca tive acesso à íntegra, nem lhe dei importância”.
Apesar disso, admitiu encontros com comandantes das Forças Armadas logo após a derrota para Lula. Disse que tratou com eles de “situações hipotéticas”, e não de uma ação concreta, mas deixou evidente que, sim, havia disposição para testar os limites da institucionalidade. O próprio contexto desses encontros, revelado anteriormente por investigações da Polícia Federal, já havia mostrado que o então presidente buscava uma saída autoritária para permanecer no poder.
Tentativa de descontração e cinismo
Num gesto que beira o escárnio, Bolsonaro chegou a convidar o ministro Alexandre de Moraes — relator do inquérito que pode tornar o ex-presidente inelegível e levá-lo à prisão — para ser seu vice em 2026. “Se quiser, o senhor pode ser meu vice”, disse em tom de provocação. Moraes respondeu friamente: “Eu declino”.
A frase, dita no auge de um depoimento que trata de atos que atentaram contra a democracia, demonstra o grau de deboche com que Bolsonaro encara o processo. O gesto provocou desconforto até mesmo entre membros de sua própria defesa, que tentam passar a imagem de um ex-presidente colaborativo com a Justiça.
O que acontece agora
Com o depoimento de Bolsonaro, o STF conclui a fase de oitivas dos principais investigados na trama golpista. Ainda esta semana, serão ouvidos os ex-ministros Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. Após isso, Moraes abrirá prazo para as alegações finais da Procuradoria-Geral da República e das defesas.
A expectativa é de que o julgamento seja marcado ainda para o segundo semestre. A depender do entendimento da Corte, Bolsonaro pode ser condenado por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, associação criminosa e incitação ao crime.
Se condenado, além da inelegibilidade — já em vigor por decisão do TSE —, Bolsonaro pode enfrentar uma pena de reclusão e ser responsabilizado como principal articulador da tentativa de ruptura institucional. O caso é considerado um dos mais graves da história republicana brasileira desde a redemocratização.