Aposentados em todo o país estão descobrindo débitos automáticos não autorizados em suas contas bancárias. Ao contrário de fraudes que afetam a folha de pagamento, esses descontos são realizados diretamente na conta do beneficiário após o recebimento da aposentadoria**. Duas empresas, Paulista Serviços (Pserv) e Grupo Aspecir, são citadas nos extratos e **alvo de mais de 15 mil processos cada uma.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Paulista Serviços é alvo de mais de 15 mil ações na Justiça de 1º grau e nos juizados especiais. Já as três empresas que compõem o Grupo Aspecir somam 20.777 processos, sendo que a Aspecir Previdência, sozinha, responde por 14.042 ações. Essas duas empresas estão entre as 200 com mais processos em andamento no Brasil, de um universo de mais de 1 milhão de empresas.
As empresas, por sua vez, afirmam que os descontos são autorizados pelos clientes, mediante documentos assinados ou gravações telefônicas. No entanto, os aposentados relatam que negam qualquer autorização, muitos sequer sabem quais serviços teriam contratado e enfrentam dificuldades para cancelar os descontos futuros, que variam entre R$ 30 e R$ 90 e são lançados mês a mês.
O Ministério Público do Estado de São Paulo instaurou um inquérito civil para investigar a Paulista Serviços. Um dos focos da investigação é a identificação do verdadeiro credor no extrato bancário. A Pserv alega atuar apenas como agente de recebimentos e pagamentos, contratada por outras empresas para realizar a cobrança, sem comercializar produtos ou serviços diretamente ao consumidor final. Isso significa que, embora o nome Pserv apareça no extrato, a empresa que teria vendido o serviço ou produto é outra, dificultando a identificação pelo consumidor.
O aposentado Armando Quintanilha Boechat notou descontos estranhos em sua conta desde julho de 2023. Ele perdeu mais de R$ 1 mil até o final de 2024 com débitos realizados pela Aspecir e pela Pserv. Armando buscou esclarecimentos junto ao seu banco e às empresas. Ele afirma que nunca fez qualquer negociação para débito automático. Embora as empresas tenham devolvido os valores debitados em seu caso, não apresentaram a comprovação da contratação solicitada por ele, como gravação telefônica ou documento assinado. O banco Bradesco informou seguir os protocolos do Banco Central (BC) para débitos em conta e enviar avisos aos clientes.
Sentenças judiciais obtidas pelas fontes reforçam as reclamações dos aposentados. Em decisões de primeira instância, juízes destacaram que a Aspecir não apresentou os contratos devidamente assinados pelos autores das ações. Nesses casos, a empresa foi condenada a ressarcir os valores e pagar danos morais. A Aspecir afirmou que adota medidas corretivas, como descredenciamento de corretores, ao identificar descontentamento ou falhas.
Outro caso mencionado é o da aposentada Ana Lúcia da Silva, que moveu ação contra a Pserv devido a débitos entre abril e agosto de 2023, no valor de R$ 59,90. Os descontos só foram suspensos após ela iniciar a ação judicial. A Pserv informou à Justiça que o débito era para a empresa Clube Blue, que oferece serviços como telemedicina e assistência funerária. A defesa de Ana Lúcia solicitou a prova da contratação e descobriu que a proposta de adesão tinha o nome de sua cliente, mas os dados pessoais (data de nascimento, CPF, endereço) e a foto de identidade eram de outra pessoa com o mesmo nome, nove anos mais jovem. A Clube Blue declarou que suas vendas são auditadas e confirmadas com gravações de 100% das ligações. Ana Lúcia, que também foi vítima da fraude do INSS na folha de pagamento, defende que os descontos indevidos por débito automático também sejam investigados.
Diante das reclamações, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que as instituições financeiras bloqueiam de imediato o débito futuro e tratam do assunto com as empresas. O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) não respondeu aos pedidos de esclarecimentos da reportagem.
Ana Lúcia faz um alerta a outros aposentados: “Acompanhe sempre os dados de vocês na conta do INSS, senão você nunca vai descobrir. E procure seus direitos, porque ninguém pode invadir sua conta bancária e fazer um desconto que você não autorizou.”