Nesta terça-feira, 5, os norte-americanos vão às urnas decidir quem será o próximo presidente dos Estados Unidos, em uma disputa acirrada entre o ex-presidente Donald Trump e a atual vice-presidente Kamala Harris. O republicano e a democrata têm visões opostas sobre diversos temas importantes para o país e para a economia mundial. Entenda como o resultado da eleição pode impactar o comércio global, mercados e o Brasil.
Disputa aberta e resultado incerto
Assim como em pleitos anteriores, dificilmente uma pesquisa consegue antever o cenário exato – dado o funcionamento das eleições dos EUA, no modelo “the winner takes all”, com o vencedor dos colégios eleitorais levando todos os delegados independentemente da margem de vitória nas urnas.
A diferença ante o pleito anterior é o fato de que desta vez os republicanos se engajaram mais no conhecido ‘voto por correio’, em que os cidadãos conseguem votar antecipadamente. Até então foram mais de 50 milhões de votos registrados.
“O que fica claro com as votações antecipadas é que os republicanos vieram antecipados, engajando eleitores e aumentando o recrutamento. Tivemos um crescimento muito significativo ante 2020 nos votos antecipados”, explica Adriano Cerqueira, cientista político e professor do Ibmec.
Diferenças no discurso econômico
Em termos de discurso, Trump adota diretrizes semelhantes às de quando era presidente, sintetizadas no “maganomics”, a junção da palavra economia com o slogan “Maga” (Make America Great Again ou Tornar a América Grande Novamente). Já Kamala não difere muito do status quo, dado que é a atual vice do presidente Joe Biden.
“O mau momento da economia americana é utilizado como retórica de Trump, que aposta na proteção do trabalho, do emprego do americano. Muito do discurso dele passa pelo protecionismo. Já a Kamala não foi muito esclarecedora durante sua campanha. Geralmente ela reforçava o que foi feito no governo Biden. Devemos esperar uma política de maior multilateralismo com outros países, outros parceiros da Europa, e a tendência é ela manter a equipe [econômica]”.
Em termos de proposta, a visão de Trump é protecionista, com promessas de corte de impostos locais, visando fortalecer a indústria americana. No mesmo sentido, o republicano sinaliza uma imposição de uma tarifa de 10% para todos os produtos importados. Para os produtos vindos da China, uma tarifa ainda maior, na casa dos 60%.
No caso de Kamala, as promessas incluem redução dos impostos para famílias com crianças, redução dos preços de medicamentos prescritos, proibir o que considera um crescimento “excessivo” de preços de supermercados e aumentar a oferta de moradias acessíveis. A candidata prevê uma lei federal para ‘proibir o aumento abusivo de preços’.
O que esperar para o dólar?
O principal impacto imediato do resultado das eleições dos EUA deve ser no câmbio. No Brasil, o dólar fechou na sexta-feira cotado a R$ 5,87, a maior cotação em quase 4 anos e meio, reagindo também a incertezas na cena econômica brasileira.
A visão do mercado é de que, em uma eventual vitória de Trump, a moeda americana sairia mais forte – especialmente por conta da postura protecionista do candidato.
“O Trump tem essa questão de imposição de tarifa para produtos importados, o que sinaliza uma leitura mais inflacionária, e demandaria um equilíbrio via ajuste de juros”, afirma William Castro, economista-chefe da Avenue.
Segundo estimativa do Peterson Institute for International Economic, as tarifas de Trump custariam cerca de US$ 1.700 por ano para uma família americana média – representando uma maior pressão inflacionária.
“Já vimos no governo Trump a postura dele. Nesse atual processo eleitoral, ele tem reforçado tudo aquilo que fez durante o mandato dele. De fato, vemos um risco de uma pressão altista [no câmbio] com Trump, que vem da postura protecionista. Teríamos custos elevados por conta das tarifas”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
China e economia global
Apesar das disparidades no campo político e econômico, nas relações geopolíticas ambos os candidatos encontram certa convergência. Isso, dado que a China é vista como uma ameaça aos Estados Unidos de forma geral, e as diferenças de postura entre Kamala Harris e Trump tendem a ser mais tênues.
Especificamente nas relações comerciais, Trump deve gerar mais desgaste por conta das tarifas mais contundentes sobre os produtos chineses em uma tentativa de impulsionar a produção dos EUA.
“Pela sinalização, um governo Kamala teria uma manutenção do status quo, não teríamos uma mudança em relação à postura do governo Biden em se tratando de China. No caso de um governo Trump, pelo seu mandato anterior e pelas sinalizações, teríamos mais desgaste com a China com as tarifas”, afirma Rodolfo Margato, Economista da XP.
Especialistas apontam que o impacto material do resultado na economia global deve ser pequeno, mas que a visão nacionalista de Trump pode ser um gatilho para redução de investimentos globais.
“Nas commodities não teríamos impactos drásticos, seria mais algum deslocamento de demanda para alguns produtos específicos. Pensando em algo mais geral para o globo, com tarifas de importação e animosidade com a China, isso pode chegar a um quadro econômico de uma aversão ao risco maior, com investidores globais diminuindo os investimentos e afetando o ritmo de crescimento, mas isso ainda é uma mera possibilidade”, diz Margato.
Gastos públicos
Apesar de ser um tema pouco abordado em ambas as campanhas, o fiscal deve ser um ponto relevante na próxima gestão. O déficit fiscal é de 6,4% do PIB em 2024, conforme os dados mais recentes, de outubro.
“As propostas de ambos os candidatos sinalizam para uma política fiscal expansionista – com Trump sinalizando queda na arrecadação e Kamala sinalizando um aumento dos gastos”, explica Margato, da XP.
Castro, da Avenue, ressalta que ‘o mercado segue tenso’ com o tema, mas nenhum dos dois lados tem feito acenos claros sobre um ajuste fiscal. O que pode ser relevante nessa frente é o resultado do arranjo de forças no parlamento. Nesse contexto, a falta de maioria em alguma das duas casas pode sinalizar menor governabilidade e afetar o orçamento do país.
Um cenário de Trump com parlamento republicano ou Kamala com parlamento democrata seriam de fiscal possivelmente mais expansionista – já que ambos teriam uma margem maior para aprovar cortes de impostos ou aumento de gastos.
Cerqueira, do Ibmec, ressalta que, sem apoio do parlamento, há o risco do chamado ‘shut down’, que pode afetar a economia dos EUA. O fenômeno consiste em uma paralisação do Governo caso o orçamento para o ano fiscal seguinte não seja aprovado até 30 de setembro.
Entre 2018 e 2019 ocorreu o shutdown mais longo da história, afetando 800 mil funcionários e limitando ou cortando a oferta de diversos serviços públicos.
Impacto na economia brasileira
Em uma eventual vitória de Kamala, o Brasil não sofreria alterações nas suas relações já cultivadas desde a vitória de Biden. Todavia, com um retorno de Trump à cadeira presidencial, as tarifas de importações poderiam significar uma mudança nas relações comerciais, dado que no ano de 2023 foram US$ 75 bilhões em comércio de bens entre EUA e o Brasil.
Além disso, o país é o segundo principal destino das exportações totais brasileiras, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Secex-MDIC), com exportações no ramo de siderurgia, metalurgia e também de petróleo bruto.
Atualmente o Brasil e os EUA cultivam dois séculos de parceria – apesar de a China ainda ser o país mais relevante na pauta comercial brasileira. Em 2023 o Brasil recebeu US$ 10 bilhões em investimento direto dos Estados Unidos, conforme os dados do Banco Central (BC).
Já no mercado de ações, analise da XP destaca que “não há uma relação forte entre as eleições americanas e os retornos do Ibovespa”.
A tendência é de que produtores de minerais críticos e setores com exposição a investimentos verde devem se beneficiar com uma vitória de Kamala Harris. Já em uma eventual vitória de Donald Trump, o destaque é para os setores de commodities, como o agronegócio, que podem se beneficiar de um aumento das tensões entre China e EUA, aumentando a demanda pelos produtos brasileiros.
Fonte: IstoÉ