José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai e uma das mais emblemáticas lideranças progressistas da América Latina, faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos. Militante revolucionário, preso político durante a ditadura militar uruguaia, senador, ministro e chefe de Estado, Mujica construiu uma trajetória política marcada pela coerência, simplicidade e compromisso inegociável com as causas populares.
Nascido em Montevidéu em 20 de maio de 1935, Mujica teve contato com a política desde jovem, influenciado por movimentos nacionalistas e posteriormente pelas ideias da Revolução Cubana. Nos anos 1960, foi um dos fundadores do Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros (MLN-T), organização armada de orientação marxista que lutava contra as injustiças sociais e a repressão estatal no Uruguai.
Com o endurecimento da repressão nos anos 1970, Mujica foi capturado e passou cerca de 13 anos na prisão, muitos deles em condições subumanas — isolamento, tortura e confinamento em celas subterrâneas. Sobreviveu a esse período com uma filosofia de vida que combinava estoicismo, humildade e espírito de luta. A anistia aos presos políticos em 1985, com o retorno da democracia ao país, permitiu que Mujica voltasse à vida pública.
Nos anos 1990, com a fundação da coalizão de esquerda Frente Ampla (Frente Amplio), Mujica foi eleito deputado, depois senador, e acabou se tornando uma das figuras mais populares da política uruguaia. Em 2005, assumiu o Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca no governo de Tabaré Vázquez, consolidando sua imagem como político pragmático e profundamente ligado ao campo e à vida rural.
Em 2010, foi eleito presidente da República, derrotando o ex-presidente Luis Alberto Lacalle, com uma campanha baseada na ética, na inclusão social e no fortalecimento do Estado de bem-estar. Durante seu governo (2010-2015), o Uruguai aprovou reformas históricas: legalizou o aborto, instituiu o casamento igualitário, criou políticas inovadoras de distribuição de renda e regulamentou o mercado da maconha — tornando-se o primeiro país do mundo a fazê-lo sob controle estatal.
Mujica também se destacou no cenário internacional por sua oratória direta e humanista. Em 2012, durante a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), seu discurso viralizou ao criticar o consumismo desenfreado e defender um modelo de vida baseado na sobriedade, na solidariedade e na preservação ambiental:”Pobres não são os que têm pouco. Pobres são os que precisam infinitamente de muito e desejam mais e mais.”
Mesmo após deixar a presidência, Mujica continuou exercendo forte influência na política uruguaia e latino-americana. Foi reeleito senador, mas anunciou sua aposentadoria da vida pública em 2020, citando questões de saúde e a necessidade de abrir espaço para novas lideranças. Nos últimos anos, foi diagnosticado com um tumor no esôfago, condição que se agravou nos últimos meses.
Figura rara na política contemporânea, Mujica encarnava a crítica ao poder desvinculado do povo. Recusava luxos, doava a maior parte do salário, morava numa chácara modesta com sua companheira, a ex-senadora e ex-guerrilheira Lucía Topolansky, e dirigia um Fusca azul que virou símbolo da sua postura ética. Sua vida foi contada em documentários e livros, como “Pepe Mujica: o presidente mais pobre do mundo”, e ele era frequentemente citado como exemplo de liderança transformadora e autêntica.
A morte de Pepe Mujica representa uma perda irreparável para o campo democrático popular latino-americano. Sua vida foi marcada por coragem, dignidade e compromisso com os mais pobres. Um homem que viveu como pensava e, por isso, entrou para a história não só do Uruguai, mas de todo o continente.