Por Jânio Chade / UOL
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Central de Jornalismo
20 de setembro de 2021
Participar da política internacional hoje exige a adoção de alguns protocolos. Não se trata de punhos de renda, ordem de talheres na mesa ou jargões diplomáticos. Em plena pandemia, fazer parte da comunidade internacional exige um protocolo sanitário mínimo, tanto por proteção como por respeito aos demais.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) optou por não se vacinar e, em menos de 24 horas nos EUA, descobriu que seu lugar é constrangedor. O presidente abre amanhã a Assembleia Geral da ONU. Mas o discurso ocorre no momento em que o país é alvo de uma enxurrada de denúncias de violações de direitos humanos emitidas pelos próprios relatores da ONU. O organismo acompanha com preocupação a situação política e já deixou claro o apelo para que estado de direito seja preservado.
Se o governo conseguiu garantir que Bolsonaro não seja cobrado pela ausência de vacina para entrar no prédio das Nações Unidas, sua atitude aprofunda o mal-estar com o Brasil e cria, antes mesmo de ele subir ao palco, uma sombra sobre sua mensagem ao mundo.
Ofuscado por si mesmo, ridicularizado pela imprensa mundial e por diplomatas, inclusive de seu próprio governo, o presidente foi obrigado a comer pizza numa calçada de Nova Iorque para driblar as regras sanitárias que ele se recusa a seguir.
Sem vacina, ele simplesmente não pode entrar nos estabelecimentos. Nem na cidade americana e nem em centenas de outras pela Europa, se um dia optar por viajar para o Velho Continente.
Um dia depois, foi a vez de uma churrascaria em Nova Iorque improvisar um puxadinho para poder receber o presidente não vacinado. Mais um atestado de que sua imunidade como chefe-de-estado não é suficiente diante de um vírus que deixou o mundo de joelhos.
Não levou muito tempo para que Bolsonaro levasse um puxão de orelha, desta vez do conservador e populista Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido. Em um encontro entre os dois líderes, o britânico sugeriu que o brasileiro se vacinasse. Em seu melhor estilo desbocado, Johnson disse o que dezenas de líderes teriam adorado falar ao brasileiro.
Não distante do local do encontro, o prefeito de Nova Iorque, Bill de Blasio, quem usou justamente o exemplo do brasileiro para dizer ao mundo: quem não cumpre regras básicas não entra. O acesso ao mundo, no fundo, depende hoje de responsabilidade, um produto escasso no Palácio do Planalto.
“Precisamos mandar uma mensagem a todos os líderes mundiais, especialmente Bolsonaro, do Brasil, de que se você pretende vir aqui, você precisa ser vacinado. E se você não quer se vacinado, nem venha, porque todos devem estar seguros juntos. Isso significa que todo mundo deve estar vacinado”, declarou o democrata.
De fato, fontes diplomáticas confirmaram que líderes africanos que não tinham sido vacinados e queriam viajar para Nova Iorque para o evento da ONU acabaram cedendo e tomando suas doses, semanas antes do embarque.
A própria agenda de um presidente tóxico é um testemunho da dificuldade em encontrar interlocutor. Um dos poucos encontros bilaterais que Bolsonaro terá será com o líder polonês, Andrzej Duda, alvo de denúncias graves de tentar minar a independência do Judiciário, ataques contra gays e uma agenda ultraconservadora de dar inveja à base mais radical do bolsonarismo.
Quando Bolsonaro tomar a palavra amanhã para fazer seu discurso, a esperança do Itamaraty é de que o presidente adote um tom mais moderado. Pária e fragilizado, ele precisa reconstruir pontes pelo mundo. Mas palavras podem não ser suficientes.
Ao chegar em Nova Iorque no domingo, o brasileiro foi obrigado a entrar no hotel onde se hospeda pela porta dos fundos, evitando um protesto e uma faixa com um recado claro: “genocida”. A viagem, portanto, corre o risco de apenas confirmar que, na sarjeta da diplomacia internacional, Bolsonaro e seu negacionismo não têm lugar no mundo.