Por Cloning Stones
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Central de Jornalismo
24 de agosto de 2021
Charlie Whatts se foi. Deixa sua genial banda terrena para, estrela, ingressar na constelação de grandes músicos da orquestra celeste. Sempre o considerei o esteio dos Stones. Discretíssimo e reservado, sempre buscou se afastar dos holofotes, inescapavelmente apontados para os “glimmer twins”. Em lugar do glamour do mundo do rock’n’roll, preferia a tranquilidade da família. Não que não tenha aprontado as suas. Curtiu horrores, sabemos.
Era amante do jazz. Tinha sua própria banda, que inclusive esteve no Brasil. Nunca foi um virtuose. Isso, entretanto, nunca o fez um baterista menor. Ao contrário. Foi um grande músico, peça central nessa engrenagem genial e maluca que são os Stones. Seu estilo é inconfundível. O chimbal dobrado, a batida no tempo, meio blues, meio rock, meio jazz. E , principalmente, a excepcional destreza de tocar com gente imprevisível como seus companheiros de banda.
Sobre isso, aliás, ele costumava anotar o repertório dos shows em uma placa de acrílico que era colocada ao lado de sua eterna bateria Gretsch. Na frente de algumas canções, escrevia “TR”. Demorei a entender o código. Depois, por meio de um amigo, soube que tratavam das iniciais de “Time Richards”. Ou seja, o tempo de entrada na canção dependia da “vibe” do dia do velho amigo de tocada.
Há passagens geniais e curiosidades das gravações que Charlie fez com os Stones ao longo dos quase 60 anos em que integrou o grupo. Uma das mais conhecidas é o erro na entrada de Start Me Up. Qualquer outra banda editaria o erro na mixagem da música. Mas os Stones são os Stones. Aprenderam com os velhos blueseiros e mantiveram o erro na versão final da gravação. A lição: erros humanizam a arte. Até hoje, ao tocar a música, bateristas de todas as partes tentam imitar o erro.
Embora tímido, Charlie nunca foi omisso e sempre teve seu espaço muito bem demarcado na banda, da qual é fundador e na qual ingressou no início dos anos 60 depois de ter tocado com o grupo Blues Incorporated, do famoso Alexis Corner, bluesman que revelou uma verdadeira constelação de músicos ingleses. Certa vez, em um hotel onde a banda estava hospedada, foi até o quarto de Mick Jagger e, assim que a porta foi aberta pelo cantor, acertou um direto de direita no rosto dele. Após o golpe, disse ao amigo: “nunca mais me chame de seu baterista. Não sou seu empregado”.
De tudo o que sentirei falta desse gentleman que há anos ocupa lugar de destaque no altar dos meus ídolos do rock, talvez a parte que mais me doerá será a lembrança de dois momentos em dois dos sete shows dos Stones que vi com ele em minha vida. Aconteceram no Maracanã, em 1995, e primeiro show da banda no Brasil, e na Praça da Apoteose, também no Rio, em 1998.
Nessas duas apresentações dos Stones, no momento em que Jagger anunciou os nomes dos integrantes da banda, todos naturalmente foram muito aplaudidos pelo público. No entanto, quando chegou a vez de Charlie, a massa fez um barulho ensurdecedor, que me lembrou a chegada de um trem desgovernado após descarrilhar. Nunca vou me esquecer dessa deferência do público brasileiro com esse cara genial. Nunca sairá na minha mente o sorriso de agradecimento que ele deu em ambas as ocasiões.
Os Stones, inquebrantáveis, seguirão na estrada até que a saúde ou a morte os demita de vez. Continuará a ser muito bom vê-los e ouvi-los. Mas nunca será mais o mesmo. Uma grande banda nunca é a mesma quando o titular de seus tambores cessa sua batida.
Obrigado, Charlie.
Com amor,
Luizinho.
PS: Os Cloning Stones farão três apresentações nos próximos dias 29.08 (domingo, no Eixão do Lazer), 03.09 (sexta, na Galeria Mundo Vivo) e 10.09 (sexta, Galpão 17). As três apresentações serão em homenagem ao Charlie. Os locais são abertos e tomarão medidas de proteção sanitária. Apareçam para celebrar a obra dos Stones.