Síria Mergulha em Nova Onda de Violência Sectária Após Queda de Assad

Três meses após a derrubada do ditador Bashar al-Assad pelo grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS), a Síria enfrenta uma **grave escalada de violência sectária**, reacendendo as feridas de mais de uma década de guerra civil. Uma emboscada contra membros das forças de segurança do novo regime, ocorrida na quinta-feira (06/03), serviu de estopim para a pior onda de violência desde dezembro, quando o HTS impôs um novo governo.

A repressão subsequente do novo regime, direcionada especialmente à comunidade religiosa associada à família Assad (os alauítas), resultou em centenas de mortes de civis**. Essa violência expôs as antigas tensões latentes no país, que já contabiliza mais de 600 mil mortos em 13 anos de guerra civil. A economia síria encontra-se em frangalhos e o país continua sendo alvo de intervenções externas, o que aumenta o temor de uma nova espiral incontrolável de violência.

Tensões Crescentes Desde a Queda de Assad:

Em dezembro de 2024, o regime da família Assad, que governava a Síria desde 1971, foi derrubado por uma ofensiva liderada pelo HTS, com o apoio de outras facções. O líder do HTS, Ahmed al-Sharaa, assumiu a presidência e tentou transmitir uma imagem de afastamento do passado jihadista do grupo, apesar de ele próprio ter sido membro de um grupo filiado à Al-Qaeda nos anos 2010. Al-Sharaa, um muçulmano sunita, prometeu proteger as minorias religiosas.

No entanto, as tensões persistiram entre o novo governo e a comunidade alauíta, que representa cerca de 10% da população síria. As tradições religiosas alauítas são consideradas heréticas por muitos grupos jihadistas, embora muitos alauítas tenham integrado a estrutura do regime secular dos Assad por décadas.

Após a tomada do poder pelo HTS, os alauítas expressaram receios de represálias. Incidentes já haviam sido registrados nos três meses após a queda de Assad, incluindo protestos alauítas após relatos de um templo incendiado e denúncias de casas de civis alauítas queimadas e execuções por membros do novo regime.

Estopim para Nova Onda de Violência:

Em 6 de março, o novo regime acusou grupos armados alauítas pró-Assad de ataques contra as forças de segurança perto do litoral e da retomada de Qardaha, cidade natal da família Assad. Esses confrontos iniciais resultaram na morte de 13 membros das forças de segurança. No mesmo dia, foi proclamado um Conselho Militar para a Libertação da Síria, liderado por um ex-oficial do regime de Assad com ligações com o Irã e o Hezbollah.

A violência rapidamente se espalhou para outras áreas com concentração de alauítas, e o governo central enviou forças de segurança e grupos aliados, como o Exército Livre da Síria (FSA), para conter a insurgência. Houve relatos de convocações para “jihad” contra os insurgentes e a presença de combatentes estrangeiros entre as forças governamentais. Helicópteros equipados com metralhadoras foram utilizados pela primeira vez na região costeira pelas novas forças do governo.

Pura Vingança Étnica:

A partir de 7 de março, surgiram denúncias de massacres de civis em áreas alauítas por membros das forças do novo regime. Vídeos mostraram humilhações, execuções sumárias e corpos nas estradas. Moradores locais descreveram os ataques como “pura vingança étnica” perpetrada por extremistas vindos de Idlib. Relatos de um civil sírio publicados no jornal israelense *Haaretz* detalharam a brutalidade dos jihadistas contra os alauítas, incluindo assassinatos aleatórios nas ruas e invasões de domicílios por combatentes de diversas nacionalidades doutrinados a odiar os alauítas.

Segundo a ONG OSDH, pelo menos 830 civis alauítas foram mortos nos últimos dias. Além disso, centenas de membros das forças de segurança e insurgentes pró-Assad também morreram em combates.

Intenções do Novo Governo em Questão:

Após os massacres, o líder sírio Ahmed al-Sharaa apelou à unidade nacional. O governo afirmou ter recuperado o controle das áreas de conflito e atribuiu a violência a “ações individuais”. Após pressão da ONU e dos EUA, Damasco anunciou a formação de uma comissão para investigar os massacres.No entanto, as matanças levantam dúvidas sobre a sinceridade dos esforços do novo regime em se distanciar de seu passado jihadista e sobre o controle efetivo do governo sobre suas próprias forças. Minorias religiosas como drusos e cristãos também expressaram temores em relação ao novo governo.

Nova Espiral de Conflito?

Analistas do Institute for the Study of War (ISW) alertam que a reação violenta do novo regime pode levar a uma insurgência alauíta mais forte, alienando as minorias costeiras e gerando apoio para grupos insurgentes. Essa dinâmica pode facilmente sair do controle e evoluir para um conflito armado mais amplo. Um analista do Haaretz aponta que a inexperiência do novo regime pode contribuir para a formação de um movimento separatista. Um especialista do International Crisis Group considera que a violência indica que o novo governo não tem capacidade para lidar com múltiplos desafios simultaneamente, podendo ser envolvido em um ciclo contínuo de violência desestabilizador.

Ocupação Israelense e Aproximação com Drusos:

Além da violência sectária, a Síria enfrenta a persistência de dinâmicas da guerra civil, incluindo a atuação de atores externos. Israel aproveitou a queda de Assad para ocupar uma antiga zona-tampão desmilitarizada e intensificou ataques militares contra alvos sírios. Israel também sinaliza uma maior intervenção nos assuntos sírios, permitindo a entrada de drusos sírios nas Colinas de Golã ocupadas e indicando estar pronto para defender essa minoria. Essa estratégia reflete a antiga “doutrina da periferia” israelense de formar alianças com minorias não muçulmanas.

Tensões em Outras Regiões Sírias:

Outras tensões envolvem confrontos no norte da Síria entre forças curdas apoiadas pelos EUA (SDF) e facções pró-Turquia do FSA, aliadas ao HTS. A Turquia considera o principal componente do SDF, o YPG, uma organização terrorista e lançou ofensivas para tomar território curdo após o colapso do regime de Assad. Os EUA também continuam realizando ataques aéreos contra alvos ligados a grupos terroristas no noroeste da Síria.

Economia em Frangalhos:

A reconstrução da Síria, após mais de uma década de guerra civil que gerou milhões de refugiados, é um desafio colossal. A ONU estima que a reconstrução custará mais de US$ 400 bilhões. A economia sofreu um colapso drástico, com queda do PIB e das exportações. Sanções ocidentais contra o antigo regime de Assad ainda vigoram, apesar de algumas terem sido suspensas pela União Europeia e pelos EUA para setores específicos. O futuro da economia síria permanece incerto, dependendo do comportamento do novo regime.

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