As coisas mudam quando são ditas em inglês

Por Carlos Fernando Galvão
Central de Jornalismo
07 de outubro de 2021

Quando o jogo de xadrez termina, o peão e o rei vão para a mesma caixa. Provérbio Chinês

A economia mundial vai de mal a pior; a brasileira não segue caminho diverso. Eis o diagnóstico de um especialista em mercados, proferido há mais de 10 anos, em artigo: “Com o crédito exaurido, os efeitos de décadas de redistribuição de renda e riqueza – do trabalho para o capital, dos salários para os lucros, dos pobres para os ricos, e dos domicílios para as empresas – sobre a demanda agregada se tornam severos, devido à propensão marginalmente inferior a consumir entre as empresas/proprietários de capital/domicílios ricos”. O especialista norte americano em mercados é o economista Nouriel Roubini, conhecido por muitos pela alcunha de “Sr. Catástrofe” porque, mesmo capitalista, como se auto-intitula, sabe recolher indícios e, pelo visto, honestamente, ver os caminhos tenebrosos e equivocados que o sistema capitalista mundial tomou, desde pelo menos meados dos anos 80 para cá, com o processo conhecido por neoliberalismo, do qual, nestes trópicos, vieram, como vêm, várias determinações dos próceres que comandam o que chamamos de Consenso de Washington.

Imagine, agora, o(a) leitor(a) se é um brasileiro a falar isso, não digo nem para os estrangeiros, mas para os próprios brasileiros? Exato, seria rapidamente atacado como antiquado, para dizer o mínimo ou, em tempos de fascismo imperante, erroneamente, de comunista (e esse pessoal adora falar sobre coisas que não entende!). Por que não confiamos mais em nós mesmos? Ou será que as coisas são mais verdadeiras por que foram ditas em inglês?

​Roubini lembra, igualmente, que o diagnóstico acima, por ele trazido, não é exatamente novo, posto que Karl Marx, lá em fins do século XIX, já havia feito este vaticínio, além de eleger, já então, o fenômeno nascente da globalização, muito embora com feições bem diferentes das que hoje conhecemos. como um perigo, posto que, reproduzindo a conclusão marxista, Boubini afirmou que “o capitalismo financeiro descontrolado e a redistribuição de renda e riqueza do trabalho para o capital poderiam conduzir à autodestruição do capitalismo (…) sem regulamentação pode resultar em surtos regulares de excesso de capacidade produtiva, consumo insuficiente e crises destrutivas, alimentadas por bolhas de crédito e ciclos de expansão e contração nos preços dos ativos”. A análise marxista, do século XIX é atualíssima porque Marx foi quem melhor entendeu as bases do sistema capitalista; isso não faz de Roubini, um marxista, apenas mostra sua inteligência em reconhecer a inteligência alheia.

E o Brasil? Bem, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maior parte das famílias brasileiras conta com o rendimento de 4 a 10 salários mínimos e são tidos, por este nível de renda, como pertencentes à “Classe C”. Pelos cálculos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o salário mínimo nacional deveria ter sido, em julho último, R$ 5.518,79. Este é o salário calculado para que todo brasileiro tivesse o mínimo que a própria Constituição Federal manda. Contudo, qual é nosso salário mínimo oficial? R$1.100,00. Mesmo a renda média salarial dos trabalhadores brasileiros foi de R$ 2.508,00 no trimestre encerrado em julho deste ano; metade do que seria o mínimo legal obrigatório! Sendo a décima economia mundial, somos um país rico, mas de povo pobre; somos um país extremamente injusto. Enquanto isso, autoridades públicas manipulam um orçamento secreto, que deveria ser público, de mais de R$50 bilhões, outras, que comandam nossa economia, têm dinheiro em paraísos fiscais e enriquecem por decisões que elas mesmas tomam, decisões que, no entanto, mantém o Brasil no estado injusto aqui denunciado. Um salário de R$5.518,79 não faz de ninguém, um milionário. Há gente ganhando muito com medidas cambiais, com grilagem de terras, com rachadinhas… mas o que causa inflação e déficit público, para esse pessoal, é a aposentadoria do servidor público e do velhinho do INSS; o que desestabiliza as finanças públicas, para esse pessoal, é o investimento em saúde e em educação pública. Até quando vamos permitir isso?

Para além da renda, vida

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado nos anos 1990 para substituir o PIB per capita como medida de qualidade de vida e foi o resultado da união dos índices de renda, educação e saúde dos povos. Se um país vai bem em um desses itens, apenas, a riqueza, por exemplo, o IDH não é bom porque a compreensão é a de que ela, por si só, não beneficiará o povo, em face de outros indicadores o estarem prejudicando, como no caso brasileiro, que é um dos 10 países mais ricos do mundo, dentre os pouco mais de 200 existentes. O povo brasileiro é pouquíssimo atendido em termos de qualidade na educação e na saúde pública, noves fora o SUS ter se mostrado, nesta pandemia, essencial e, acreditem!, um dos maiores programa de saúde do planeta, e isso a despeito dos nossos liberais de araque que desejam destruir o Estado, o próprio SUS…

Nossa expectativa de vida, igualmente, tem diminuído e o fará ainda mais, pelo que apontam os médicos e cientistas da saúde, em face das sequelas da covid, que este desgoverno fascista, covarde, corrupto e genocida incentivou, e não apenas pelas questões diretamente ligadas à saúde, senão por indicadores como segurança pública, que não temos, com medidas também pioradas pela incompetência criminosa dos fascistas de plantão, como taxar livros e, em paralelo, liberar a alíquota de importação de armas. A crueldade é tão gritante que até ressuscitaram o lema nazista de Joseph Goebbels (1897-1945) de desprezo à cultura. Goebeels foi o médico que, tal como este governo, em associação com planos de saúde, fazia experiências com humanos ainda vivos e sem seu conhecimento e consentimento; ele dizia assim: “Quando ouço falar em cultura, saco meu revólver”. Esse pessoal têm pesadelos com o filósofo marxista Antônio Gramsci (1891-1937). E seremos, nós também, os antifascistas e pró-vida humana digna, seus pesadelos.

Em 2020, ano em que a atual pandemia foi decretada, a ONU decidiu ampliar a sigla IDH para IDHP, sendo esta última letra a representante dos impactos ambientais de que temos sido vítimas, como as mudanças climáticas bem o atestam. Com a inclusão do impacto ambiental para aferir a qualidade de vida das populações, a Noruega, que já foi o país líder do IDH, despencou do 1º para o 16º lugar, posto ser altamente dependente do petróleo que explora nos mares do norte, uma vez que a indústria petroleira, ainda essencial como fonte de uma de nossas principais matrizes energéticas, é poluente e não sustentável. O Brasil subiu dez lugares, indo do 64º para o 74º. Boa notícia, mas ainda estamos longe do que devemos e podemos ser.

Lutar pelo meio ambiente não é protestar porque estão matando a formiguinha do riacho terciário do afluente esquerdo do Amazonas, é lutar pela vida, em todas as suas complexas dimensões e possibilitar, deste modo, que ela, vida, continue a existir no planeta com consistência e sustentabilidade. Mesmo que explodamos todo nosso arsenal nuclear ou que continuemos a desestabilizar o clima, por exemplo, a vida perecerá, mas o planeta continuará. O planeta não precisa de nós, mas nós precisamos do planeta. E isso vai muito além de qualquer sistema e/ou ganho econômico que já tivemos, temos ou teremos. Viver com os parâmetros atuais é insustentável e injusto, sob quaisquer ângulos a partir dos quais os analisemos!

Como muitos parecem só valorizar o que é dito em inglês, lembremos John Lennon (1940-1980) que cantava que “Life is what happens to you when you are busy making other plans”, ou seja, “vida é o que te acontece quando você está ocupado fazendo outros planos”. Muitas coisas acontecem com todos nós, planejadas ou não, boas e ruins, e, como no provérbio chinês que abriu este artigo, depois de tudo, vamos todos, mendigos e imperadores, presidentes e coveiros, negros e brancos, ateus e espiritualistas de todos os credos, ricos e pobres, para o mesmo destino inexorável.

O que importa é o que construímos no trajeto que realizamos, durante o período em que estamos por aqui. O que acontecerá depois de guardadas na mesma caixinha, as peças do xadrez da vida, ao menos para este plano terreno, é que nos definirá. Estamos nós, enquanto vivos; seremos nós após concluída a passagem para a eternidade, quando nossa obra de vida, ao menos desta vida, não puder mais ser modificada. O que você está fazendo?

Carlos Fernando Galvão, Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Ciências Sociais, cfgalvao@terra.com.br

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