Crônica S/A – Rádio Saudade

Outro dia, numa antessala de consulta médica, naquelas conversas que vêm para preencher o silêncio e afastar o medo, meu irmão Benedito me falou de uma rádio que ele havia descoberto, por acaso, e que estava gostando muito de ouvir. Rádio Saudade. Contou-me que as músicas veiculadas pela emissora despertavam lembranças há muito esquecidas de uma forma não dolorosa.- E olha que eu não sou saudosista, você sabe, me disse, e eu concordei, prometendo ouvir a tal rádio quando chegasse em casa.Não o fiz no mesmo dia, somente no dia seguinte, enquanto aguardava, no carro de um amigo, que fora pagar uma conta, sintonizei, pelo celular, a rádio de sugestivo nome e comecei a ouvir músicas que há tempos não ouvia.Tão embevecido estava com a trilha musical que nem percebi a volta do meu amigo ou se ele falou alguma coisa comigo antes de colocar o carro em movimento. Mas quando ele fez uma curva mais fechada e eu encostei no seu ombro, percebi que era meu tio José quem dirigia o carro e, ao olhar a rua à minha frente, notei que estava de volta à minha cidade, Pedreiras, no interior do Maranhão. Eu era, de novo, um menino e o mundo tinha aquela luz antiga dos finais de tarde.De repente, o carro parou, a música havia cessado, ou o celular perdera o sinal da rádio, e eu estava de volta ao carro de meu amigo Duboc. Ele, assustado me falou que tivera um surto e pensara estar dirigindo em outra cidade que não visitava há muitos anos.Seguimos calados como quem descesse de um sonho bom.Deixou-me no meu destino e seguiu sem que eu tivesse coragem de falar sobre a rádio Saudade. A amizade antiga permite estas lacunas.Quando findei meus afazeres, já no ônibus, a caminho de casa, tentei ligar na rádio mas, sem sucesso. Como a rádio é de outro estado, aceitei a dificuldade como natural e deixei pra outra hora. Tinha que me concentrar na viagem, pois ando muito distraído e passando do ponto quase sempre.Saltei do ônibus no meu ponto mas, mal comecei a caminhada, o celular, por conta própria, trouxe a rádio de volta e outra música que eu já nem me lembrava.Cantarolei um pouco enquanto a rua a minha frente se transmutava e eu, agora, com dezoito anos, um bolso cheio de rabiscos de poemas e sem nada temer, encontrava minha turma de amigos que, como eu, não vivia: sonhava.Na porta de casa, ainda caminhando sonambulo, acordei. Lúcia, tia Walkiria e o Filósofo da Asa Norte me aguardavam.- Te avisei, sobrinho querido, que ninguém pode esquecer o que viveu. Você, poeta e artista, tem que escrever mais sobre o seu passado, senão ele invade o presente. E esta rádio, que é dirigida por jornalistas bruxas, e você sabe que existem muitas, só afeta, deste modo, os muito sensíveis como você, Duboc e seu irmão. Então fique legal e encerre sua crônica com tranquilidade. Bruxaria rima com Democracia e gostar do passado é bom! Ruim é não gostar ou ter prazer no presente.Com uma tia dessas é fácil ser cronista. Encerro dizendo que, como todo bom encanto é rimado, miro na Copa do Mundo e peço que na estreia tenhamos um bom resultado.Vicente Sá

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