(61) 1960.2021- Por Roberto Seabra

Por Roberto Seabra
Central de Jornalismo
21 de abril de 2021

  • Alô, quem fala?
  • Deseja falar com quem?
  • Com Dona Brasília.
  • Quem deseja?
  • Seu filho.
  • Qual deles?
  • Não sou aquele que é, mas também não sou aquele que deixou de ser. Sou apenas ‘um’ filho.
  • E o que queres, filho?
  • Liguei apenas para dar os parabéns, lhe desejar paz, saúde…
  • Saúde? Em um ano perdi tantos filhos e filhas para essa pandemia, que não sei o que dizer.
    Escuto o silêncio choroso dela do outro lado da linha. Sim, ela se recusa a ter celular e ainda usa telefone de linha.
  • Lamento, cidade-mãe. No começo até pensei em te ligar, para lhe confortar. Mas veja que eu também perdi amigos, colegas de trabalho e parentes distantes.
  • Uma tragédia, meu filho. Esse país não está em boas mãos. Se Juscelino visse isso…O que estão fazendo com o povo dele e com a cidade que ele criou?
  • Sim. Estou aqui com a página aberta do Correio Braziliense, que aliás nasceu no mesmo dia que a senhora, e os números são assustadores, cidade-mãe. Dia 20 de abril de 2021: “Segundo o boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde, o total de mortes é de 7.344, e o de infectados de 368.924”. Só ontem foram registradas 60 novas mortes.
  • Números, meu filho, que não dizem tudo. E as dores que me chegam a toda hora, onde estão computadas? E o medo, e as sequelas dos que deixaram os hospitais? E as crianças pobres sem aulas por tanto tempo? E os que perderam o emprego? E os batalhões de miseráveis que vivem nas ruas, pedindo comida e cobertor? E a sensação de abandono das avós, que não recebem mais visitas dos filhos e netos? E os órfãos? É tudo uma imensa e vazia dor.
    Faço silêncio do lado de cá, pois não sei como continuar a conversa. Apenas solto o ar preso nos pulmões e me lembro de um amigo que está na UTI, respirando por aparelhos. É ela que retoma o diálogo.
  • Mas hoje estou fazendo 61 anos, por coincidência o mesmo número do meu DDD. Aliás, recebi uma ligação interurbana hoje cedo, sabe de quem?
    Nem imagino e tenho medo de perguntar.
  • Da filha do Lúcio. Uma fofa, aquela moça. Me liga todos os anos.
    Sinto um certo alívio. Imaginei um telefonema oficial, partindo de algum palácio, de alguém que ela tivesse que atender por pura educação.
  • Que coisa legal, cidade-mãe. Falar com pessoas assim, que amam a senhora, é sempre bom. Dona Brasília, vou precisar desligar! O dia amanheceu frio, mas já abriu um belo sol. Acho que vou caminhar no Eixão e celebrar o seu aniversário passeando pela sua principal artéria. De máscara, claro, e sem aglomeração.
  • Vá, meu filho. E se cuide, viu? Faça exercícios, se alimente bem e nada de fazer festas ou reuniões. Um dia isso passa.
  • Sim, vai passar. Já passou uma vez, lembra?
  • E como esquecer? Nos meus 61 anos já vi de tudo, mas nunca imaginei que desceríamos tão baixo. Mas chega de lamento. Hoje é dia de festa e pelos menos os artistas, ao que parece, vão me homenagear, mesmo que seja pela internet. Saúde e paz para você e seus familiares. Obrigado por ligar. Tchau e um beijo da sua cidade-mãe!
    Desligo o telefone e me preparo para sair e aproveitar o aniversário da cidade. Mas advém uma tristeza e um vazio e desisto. Vou ver pela internet mesmo o aniversário da minha cidade-mãe, pelo segundo ano seguido.

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Fonte Segura: Central de Jornalismo

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