De mitos e metas-Por Carlos Fernando Galvão

Por Carlos Fernando Galvão
Central de Jornalismo
04 de agosto de 2021

O Homem é o único animal que se envergonha. E o único que tem motivos para isso. Mark Twain (1835-1910)

A frase em epígrafe, do escritor e humorista norte americano Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido pelo pseudônimo de Mark Twain (famoso por dois romances: As aventuras de Tom Sawyer e As aventuras de Huckleberry Finn) descortina uma terrível faceta da natureza humana: temos muito do que nos envergonhar, seja individual, seja coletivamente. E tal compreensão sequer é nova nas percepções e reflexões humanas.

Para os Gregos Antigos, de antes de Cristo, por exemplo, a perda da ponderação era classificada pela palavra “hýbris”, cuja tradução é alguma coisa como “soberba, orgulho, excesso, coisa desmedida”. Quando os Homens chegavam ao ponto de viver a sua hýbris, os deuses os puniam severamente e isso, segundo estudiosos, redundou em várias das famosas histórias da Mitologia Grega, que até hoje tanto nos encantam e ensinam, tais como Ícaro, Narciso, Édipo e Prometeu.

Dos mitos às metas vai uma grande distância histórica, filosófica, geográfica, sociológica e procedimental, mas é uma digressão que vale a pena fazer, ainda que rápida e superficialmente. Talvez possamos entender um pouco mais esse mundo louco em que vivemos – embora não tenha certeza se dá pra entender o Brasil, um país que, definitivamente, não é para amadores.

Mitos, culturalmente falando, são histórias criadas para explicar coisas e/ou fenômenos que os Homens antigos sentiam, viam, pelas quais sofriam, mas que não conseguiam explicação racional e empírica. Quando queremos fazer pouco caso de alguém ou para fazer em crítica sincera e contundente, uma das formas é chamar essa pessoa de “mitômana”, apontando para o fato de que ela cria um mundo paralelo em sua cabeça.

Quando essa pessoa é inexperiente ou ingênua, ou ambas, há solução no mundo real para que ela não se perca e não cause maiores problemas para as demais pessoas, porquanto o seguir da vida e seus aprendizados farão dessa uma pessoa mais conectada com a realidade tal como ela é e menos como ela imaginava que fosse. Não obstante, se a mitomania advém de um estado de alienação auto-imposta, seja por comodismo, seja por auto-alienação, seja por falta de caráter… bom… aí o quadro se agrava.

O mitômano por comodismo é aquele sujeito que, no fundo, sabe que algo em sua visão de mundo e em suas ações não está muito condizente com o que deveria ser, mas como dá trabalho assumir uma visão crítica perante os fatos, ele os (re)interpreta de modo a edulcorá-los, tanto que nem parecem tão ruins quanto, efetivamente, são. Esse mitômano “tem cura”, por assim dizer, mas é preciso que seja dado a ele uma grande motivação, que o tire do sofá da sala e da frente da televisão. Não é fácil, mas é possível.

O mitômano por auto-alienação tem semelhanças com o mitômano por comodismo.

A diferença básica é que o comodista sabe do que se passa, mas tem preguiça para assumir suas responsabilidades e/ou lhe falta coragem para fazer o que sabe que deve ser feito. Entretanto, não tendo a hombridade de assumir essa ciência para o mundo, inventa mil e uma desculpas para se eximir de suas responsabilidades. Já o mitômano por auto-alienação, não raro, passa pelo mesmo processo mental, mas ao contrário do comodista, acirra tanto as desculpas, que elas começam a guiar não apenas sua percepção, mas seu próprio senso de realidade, fazendo com que, a partir de determinado momento, ainda que sentindo certo incômodo com sua decisão.

O mitômano por auto-alienação cria seu mundo próprio, sem saber, exatamente, os limites entre ele e a realidade em que vive. Ou seja, o alienado passa, em dado momento, a crer em sua mitologia. Mas não necessariamente lhe falta caráter, embora possa até faltar, o que ele precisa é

de um choque de realidade que o liberte do transe hipnótico em que se meteu. Também não é fácil, mas impossível não é.

Ambos os tipos acima são massa de manobra do grande e do perigoso mitômano: o que assim se constituiu por simples e absoluta falta de caráter, com ou sem psicopatia. Tanto o mitômano por comodismo quanto o mitômano por auto-alienação, na condição de massa, são levados a pensar as ideias que os mitômanos por falta de caráter desejam que vigorem, em nítido processo de hegemonização cultural, como talvez o dissesse Gramsci. Eles são levados a agir em conformidade com os desígnios do mitômano por falta de caráter, o que induz a realizar, do modo o mais pleno possível, aquilo que o mitômano por falta de caráter, deseja e precisa.

Quem não se posiciona, é por terceiros posicionado; quem não toma iniciativa, é por esses terceiros, manipulado. Afinal, povo e mitômanos por comodismo e auto-alienados são massa e massa… bem… massa se modela, não é mesmo?

O que fazer para combater esse quadro social nada saudável? Que metas políticas devemos ter para superar o caos moderno, dos mitos que os maus caráteres criam para nos aprisionar e explorar?

Conseguindo, de algum modo, motivar o mitômano por comodismo a sair de sua inércia e fazer o que sabe que deve ser feito, ao menos as coisas que estão ao seu alcance. Ao mesmo tempo, devemos ofertar ao mitômano por auto-alienação todos os dados e todas as informações possíveis para que ele reflita sobre o mundo em que vive e possa, junto, quem sabe, com também algo motivador, desalienar-se e mudar suas percepções e suas atitudes, dando-lhes consequência real e realizável.

Por fim, mas não menos importante, devemos desmascarar o mitômano por falta de caráter, patológico ou não, porque vem dele a semente da erva daninha que está deixando os jardins humanos com aromas fétidos e cada vez mais insuportáveis para se viver. Desses últimos, não devemos ter pena ou condescendência, porque eles não têm nenhuma conosco; devemos agir dentro da lei e da moral, mas com dureza de princípios e com altivez de caráter, e também, com carinho, com dedicação e com competência, porque sem isso, qualquer ação tenderá ao fracasso, uma vez que restará aprisionada na mesma cesta podre de sementes do mal onde os mitômanos por falta de caráter cultivam suas frustrações e suas ganâncias.

Deixar-se acomodar ou auto-alienar-se são atitudes que mesclam egoísmo com falta de solidariedade e de generosidade, além de uma infinita falta de preparo para viver. Fazer parte dessa turma é dar a vitória, de “mão beijada”, para o mitômano por falta de caráter.

É isso o que você deseja para o mundo em que vive com seus filhos?

Carlos Fernando Galvão, Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana, cfgalvao@terra.com.br

APPhoto Martin Meissner

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