Crônica S/A – Sereno e a beleza amarela

Vicente Sá

As lições de vida, corriqueiramente, acontecem em pequenas doses, que vamos juntando ao longo do tempo, até formamos nosso compêndio filosófico. Mas, algumas vezes, isto nos chega de uma só vez, num momento importante de nossa existência e tudo se torna diferente. Lindolfo era um sujeito pacato por natureza. A melhor palavra que o definia era o seu apelido: Sereno. Desde criança era assim. Enquanto os outros meninos corriam, ele caminhava; enquanto os outros, no Natal, se atiravam sobre os presentes e rasgavam os embrulhos, ele abria o dele vagarosamente, de forma tão meticulosa que não chegava a estragar o papel. Daí o apelido: Sereno. “Podia ser pior”, ele dizia, “podiam ter me apelidado de lerdo ou câmera lenta”, e sua mãe, dona Dolores, concordava, enquanto lhe alisava os cabelos e comentava: Meu menino é sereno em tudo e, assim, é bom, pois vai sofrer pouco. Ela, Dolores, se entregara a uma única paixão. Se deixara levar pelo amor e, depois, fora abandonada, com Lindolfo ainda na barriga. Esta coisa de emoções fortes não fazia bem às pessoas, ela dizia. Durante a infância, Lindolfo era igual os outros meninos, só que de forma serena. No futebol, era meio de campo e, com seu jeito quase distraído de jogar, dava tranquilidade ao time da quadra. Nas amizades, mantinha uma certa reserva que o tornava amigo de todos e de nenhum em especial. Uma aura de quase solidão o acompanhava feito uma sombra. Se ele era feliz, ninguém sabia. Seu comedimento parecia tomar conta de todos os seus gestos e até suas emoções eram controladas. Na adolescência namorou uma ou duas moças e beijou um pouco entre os pilotis, mas não se deixou apaixonar como alguns colegas. Aliás, agora, poucos, pois Lindolfo se tornara mais introspectivo e solitário com o passar do tempo.Por necessidade, passou a trabalhar cedo e acabou fazendo faculdade particular, e se formando em Administração de Empresas, que, se não era o curso que ele queria, era barato e perto de casa. Sua filosofia de vida estava se firmando: bom mesmo é ser como as árvores, que vivem todo seu tempo em quietude e nem mesmo quando produzem frutos fazem anúncio ou escarcéu como as galinhas ao botar ovo. Tudo vivido com comedimento e de forma serena, pensava.Por sugestão da mãe, passou a namorar uma vizinha que era bem bonitinha e jeitosa com roupas. Inclusive, ajudava dona Dolores com suas costuras. A moça tímida se chamava Lurdes e parecia gostar de Lindolfo.Um ano após a morte da mãe, morando sozinho na casa que herdara, Lindolfo/Sereno achou que era hora de casar e pediu a mão de Lurdes em casamento. Ela aceitou, alegre, e eles se casaram em uma cerimônia simples e com poucas pessoas. Bem ao estilo sereno que marcou os primeiros anos do casamento sem filhos. Assim, serena, seguia a vida do casal, até a hora em que Lurdes lhe comunicou que estava indo embora. Atirou-lhe, de vez, na cara, todo o seu tédio e vontade de viver uma vida plena, com gritos, festas e emoções. Lindolfo não entendeu ou aceitou a princípio, pegou o carro e saiu para uma volta buscando espairecer. Ao entrar no Eixão Norte, deparou-se, subitamente, com uma alameda de ipês amarelos que explodiam cor e beleza sob um céu azul, em uma festa da natureza. Lindolfo, emocionado às lagrimas, teve que rever seu conceito de vida. E, depois que conseguiu enxugar os olhos e ligar o carro, voltou para casa apressado para pedir uma segunda chance à Lurdes: se agora em diante tudo será diferente, viverei, avidamente, cada segundo e apreciarei com gosto e prazer cada gole de vida e cada beijo de minha companheira, dizia alto para si mesmo. Se até os ipês gritam beleza, por que eu não posso gritar?O leitor deve estar se perguntando como termina esta história? Será que Lurdes deu uma chance e será que Sereno se transformou mesmo? Pois eu lhes digo em boa prosa que não terminou. O casal continua junto, mas, vivendo a vida adoidado, como o título daquele filme antigo. A novidade é um bebê que está a caminho e que, se depender de Sereno, vai ter o apelido de afoito. Mas, aí, eu também já acho muito. E vocês, o que acham? Vicente SáPS: As Crônicas S/A, agora, estão sendo publicadas nos portais – Central de Jornalismo – www.centraldejornalisamo.com.br e www.aultimafolha.com.br e transmitidas pela Rádio Esplanada FM, todas as segundas feiras às 9 horas da manhã. Os leitores que quiserem ouvir minhas histórias pela minha voz devem acessar o site www.radioesplanadafm.org ou usar o aplicativo radiosnet.com. Até o próximo Domingo ou até amanhã.

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Fonte Segura: Central de Jornalismo

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