Brasil fica a um passo de vexame na ONU

Congresso barra projeto para pagar dívidas e deixa país a 15 dias de perder voto pela 1ª vez

Por Daniel Rittner e Renan Truffi/Valor Econômico
Compartilhado por Central de Jornalismo
17/12/2020

Naufragou uma das últimas tentativas do governo Jair Bolsonaro para se livrar de uma situação constrangedora no cenário internacional e perder, de forma inédita, o direito de voto na ONU a partir de 1º de janeiro. O Brasil tem até o fim de dezembro para pagar pelo menos US$ 113,5 milhões de uma dívida acumulada de US$ 390 milhões com as Nações Unidas e escapar de punição.
Uma suplementação orçamentária de R$ 2,8 bilhões para honrar compromissos financeiros com 30 organismos internacionais foi incluída no PLN 29, projeto de lei que precisa ser aprovado em sessão conjunta do Congresso Nacional. Diante da falta de articulação política, a votação prevista para ontem terminou sem acordo. Partidos como Novo, Cidadania e PT divergiam de outros pontos do texto e barraram sua apreciação. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), nem sequer apareceu no plenário.
Em tese, foi a última sessão do Congresso em 2020. No entanto, a notícia de que o PLN 29 não havia sido votado gerou corre-corre no Itamaraty, que buscava sensibilizar parlamentares sobre a necessidade de uma sessão extra nesta quinta-feira. Como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi finalmente aprovada, o clima é de desmobilização no Legislativo e muitos congressistas já começaram a retornar para seus Estados.

Diversos países, incluindo os Estados Unidos, estão com obrigações vencidas. Mas quando a inadimplência supera o valor total das contribuições devidas nos dois anos anteriores, o artigo 19 da Carta das Nações prevê a perda do direito de voto como penalidade automática e imediata. Isso ocorre não apenas na Assembleia Geral, instância máxima de decisão, mas nos conselhos da ONU dos quais o devedor faz parte. No caso do Brasil, atinge sua participação no Conselho Econômico e Social, que discute temas como desenvolvimento sustentável, energia e inovação.
Só três países se enquadram atualmente nessa situação de dívidas acumuladas: Somália, Ilhas Comores e São Tomé e Príncipe. No entanto, alegaram viver uma crise econômica severa e ganharam um “waiver” (perdão) da comunidade internacional. Com isso, preservaram seus direitos na íntegra.
A Venezuela passou dez meses sem voto, por falta de pagamento, alegando que as sanções aplicadas ao regime de Nicolás Maduro a impediam de usar o sistema bancário e encaminhar os recursos à ONU. No fim de outubro, Caracas acabou regularizando sua situação e recuperou o voto.
No caso do Brasil, além de expor um ator com pretensões de protagonismo em debates globais, o constrangimento torna-se ainda maior porque o país pretende iniciar sua campanha pela volta ao Conselho de Segurança de ONU no biênio 2022-2023. A eleição para membros não permanentes ocorre no fim de 2021.

Com a imagem arranhada no exterior e cada vez mais pressionado na área ambiental, o Brasil se preparava para propor uma troca de votos com vários governos, não apenas na Assembleia Geral, mas em deliberações específicas dos outros colegiados.
Sem capacidade de votar, o governo brasileiro fica impedido, na prática, de exercer esse tipo de barganha. O Brasil é o único candidato da América Latina, mas precisa de pelo menos 129 votos (dois terços dos membros) para ser eleito.
Em ofício à Secretaria de Relações Internacionais da Câmara, obtido pelo Valor, o chanceler Ernesto Araújo advertiu sobre a “aplicação automática, obrigatória e imediata” de penalidade na ONU a partir de 1º de janeiro.
“Além das consequências legalmente previstas, há igualmente consequências de ordem política, uma vez que o atraso no pagamento a organismos internacionais tende a reduzir a capacidade de atuação do país nesses foros, dificultando a consecução dos interesses da política exterior”, disse Araújo no ofício, em resposta a requerimento do secretário, deputado Alex Manente (Cidadania-SP).
Além da ONU, o projeto de lei em tramitação previa crédito suplementar para o pagamento de dívidas junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), Unesco, Secretaria Permanente do Mercosul e Tribunal Penal Internacional (TPI), entre outros.

Em novembro, projeto semelhante (PLN 40) já havia sido desvirtuado no Congresso. O texto original destinava recursos ao pagamento de órgãos internacionais e foi mudado para obras do Ministério do Desenvolvimento Regional.

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Fonte Segura: Central de Jornalismo

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