Diário da Quarentena – Até sempre, Dom Pedro, nosso candidato a Papa

Por Caco Schmitt

Jornalista, roteirista e diretor. Trabalhou na TV Cultura/SP como diretor e chefe da pauta do jornalismo; diretor na Agência Carta Maior/SP e na Produtora Argumento/SP. Editor de texto no Fantástico, TV Globo/SP. Repórter em vários jornais de Porto Alegre, São Paulo e Brasília.


Hoje nos deixou Dom Pedro Casaldáliga, uma das pessoas mais iluminadas que passou pelo nosso planeta. Catalão, missionário, poeta e profeta, compromissado com os pobres e que tinha como lema episcopal: Humanizar la Humanidad. Conheci Dom Pedro em 1979, em Goiânia, num encontro do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Eu, Najar Tubino e Zé Neto começávamos uma viagem de quatro meses pela Amazônia, de ônibus, carona de caminhão, barco, avião do CAN (Correio Aéreo Nacional), para realizar algumas reportagens para o Coojornal. Paixão à primeira vista, uma pessoa com energia irradiante e diferente de todas as pessoas que conheci na vida. Falamos que iríamos percorrer Goiás, Pará e Amapá até o Projeto Jari, e que começaríamos o trajeto descendo o rio Araguaia. Prontamente ele nos convidou para ficar na sede da Prelazia de São Félix do Araguaia, pertinho da Ilha do Bananal, território dos índios Karajá. Chegamos, fomos bem recebidos e tivemos o privilégio de por mais de uma semana conviver com Dom Pedro. Culto, vibrante, guerreiro, brincalhão, e a encarnação da Teoria da Libertação, igreja ao lado dos pobres. Defendia os posseiros dos grileiros, os pequenos agricultores das grandes fazendas e os índios de todos. Recebeu inúmeras ameaças de morte, foi perseguido por militares e por prepostos da Ditadura Militar. Dom Pedro brincava, dizendo que os gaúchos eram uma praga na Amazônia, trabalhavam até na madrugada. E éramos sub-imperialistas, na medida em que os paulistas seriam os imperialistas, por deter o capital. Nós também brincávamos com ele e dizíamos que ele era nosso candidato a Papa. Ele apenas sorria! Combinamos de fazer uma nova entrevista quando possível, mas queríamos um texto dele sobre a situação enfrentada na Amazônia para o livro que escreveríamos. Dentro da sua modéstia angelical, passou a bola para outro. E mandou essa carta que guardo até hoje como um troféu da minha trajetória de jornalista
CARTA DOM PEDRO
Najar, Ricardo, José do COOJORNAL – Porto Alegre, RS
Mesmo sendo gaúchos, vocês deveriam ser tratados como gente e mereciam uma resposta minha, e positiva, bem antes. A resposta é negativa e tarde. Pecado de bispo também pode ser perdoado.
Eu pensei realmente mandar para vocês algo, mesmo breve e com certo medo, por insegurança dessas tais análises maiores, sobre a Amazônia nossa e seus problemas e crimes e sofrimentos e esperanças…
Mas, estou aqui, em Goiânia, às vésperas de uma operação de catarata. Do olho direito. (Em tempos de abertura é bom enxergar também pela direita, gente). E ficarei de molho, se tudo der certo, duas ou três semanas. Tudo se amontoou, com isso e o compromisso com vocês e outros compromissos foram pro brejo. Desculpem.
Ainda estou achando que seria bom, melhor, se vocês pudessem obter um depoimento do Professor José de Souza Martins, sociólogo, da USP. Digam pra ele que é um pedido meu. Ele está sumamente informado e sabe o que escreve. Tem vivido a Amazônia e está a serviço da Causa.
Espero seu livro, mesmo faltando a benção do bispo, o que – reconheço – seria uma garantia de ortodoxia maior. A benção vai, de todo jeito, ainda que não escrita, viu?
Recebo sempre o COOJORNAL. Obrigado, minha gente.
Enviarei para vocês, logo, meu último filho – poemas inúteis – “Cantigas Menores”, editado pelo PROJORNAL de Goiânia.
Bom, gauchada imperialista e querida. Um dia a gente se encontra novamente. Vocês continuem a viver seu jornalismo a serviço do Povo. Não ganharão dinheiro, não, mas serão honestos e livres.
Eu espero que todos vocês sejam felizes, ainda nesta democracia relativa. E espero que vocês, todos, se encontrem um dia com o Cristo do Evangelho.
À toda a turma daí, um abraço muito amigo. E vocês mais do que amigo, tá?
(A cobertura mais urgente é e será sobre a problemática da Ilha do Bananal, no que se refere a área da Prelazia. A CNBB está muito preocupada com a situação “terra” e possivelmente, este será o tema da próxima Assembleia Nacional. Eu sei que a problemática da terra está hoje mais grave do que nunca, neste período glorioso da Revolução. No Pará, no Maranhão, no Norte do Goiás, no Mato Grosso, no Paraná, nas beiras do São Francisco…)
Até… sempre,
Pedro Casaldáliga

Administrador

Fonte Segura: Central de Jornalismo

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