Crônica S/A -Para Lucina- Papo de Vento ou um bom começo

Por Vicente Sa

Minha mania de conversar com os meus netos e seus amigos da mesma idade me possibilitou aprender a língua de alguns animais, como gato, cachorro e passarinho, pois é sabido que as crianças falam bem essas línguas, Por último, na semana passada, me ensinaram a dos ventos.Para experimentar este novo conhecimento, resolvi caminhar, sozinho, pelo bairro, até que achasse algum vento na tarde parada e quente que fez no meio da semana. Já perto da autoestrada ele chegou e eu, neófito, fui logo perguntando seu nome e procedência, o que o fez emitir aquele assobio que eles soltam quando riem.- Que bom, Vicente, que aprendeu a falar conosco. Passo muito pela sua chácara e até pelo seu escritório. Sou eu quem leva aquelas folhinhas para debaixo de sua mesa, para ver se você se inspira e escreve algum poema para a mãe-natureza. Mas parece que você nunca entendeu a indireta, pois, poema que é bom, até agora, nada. Sei que você gosta de me observar a dançar com as árvores do seu quintal, principalmente com a aquela mangueira frondosa que vive próxima ao canil.Mais alegre que assustado, concordei com ele e perguntei, de novo, seu nome.- Pode me chamar de Vento da Tarde, pois é o horário que eu mais gosto de me manifestar por esse Brasil que amo e pelo qual tanto sofro.- O que te faz sofrer, Vento da Tarde?- Os descuidos com os animais, as águas e as matas. Parece que alguns de vocês buscam o próprio fim pois, se destroem a sua casa, não terão outro lugar para viverMas ainda bem que muitos já estão acordando para isso e poderão impedir que os outros continuem este mau serviço ao mundo.Depois que caminhei, envolto por ele e ouvindo suas histórias algum tempo, a conversa foi ficando mais amena e até mais íntima. E ele, simpatizando comigo, me falou de suas paixões:- Eu deveria namorar uma Brisinha que gosta muito de mim e até já me ajudou num serviço que fiz contra um homem mau, mas eu tenho uma queda, mesmo, é por uma pitangueira, que vive perto do tanque de lavar roupa de sua casa. Ela tem umas folhas tão lindas e emite o cheiro tão especial quando florida, que eu não consigo imaginar outra entidade para namorar. A Brisinha já compreendeu e me perdoou. Agora somos grandes amigos, Aliás, ela está vindo ali.Senti os cabelos se erguerem um pouco, de um jeito suave, como se uma mão amiga os acariciasse, e uma voz calma me perguntou há quanto tempo conhecia o Vento da Tarde.- De vista já há alguns anos. Pessoalmente, é a primeira vez que conversamos.Ela emitiu aquele assovio de riso e, me puxando a manga da camisa com delicadeza, continuou: – Ele é um vento maravilhoso e, graças a ele, eu fiz a minha primeira intervenção de justiça na vida humana. Ele já lhe contou como seguimos um homem que, secretamente, assassinara a esposa e iria ficar impune? Mas, sabendo que ele a recordava ao sentir o perfume que ela usava, o Vento da Tarde o espalhou por toda a cidade. E, quando ele, fugindo, se trancou em seu apartamento, no sexto andar de um prédio da Asa Sul, eu, que sou menorzinha e mais maleável, entrei pelas frestas e o fiz continuar a sentir o cheiro da esposa. O homem acabou ligando para a polícia e confessando o crime. Foi meu primeiro gesto de justiça graças ao nosso amigo, Vento da Tarde.Emocionado, comentei que eles formavam uma boa dupla, mas ela desconversou:- O coração deste vento só sopra pela pitangueira de sua casa, e ele não tem como não seguir o que manda o coração. Eu o compreendo e torço por sua felicidade, como boa brisa que sou. Falar nisso, já tá escurecendo e eu tenho que visitar, como faço todo final de tarde, uma menina na 713 Norte que está começando a fazer versos e adora recitá-los para mim e você sabe que as brisas são conselheiras e amigas dos poetas. Fui.Embasbacado com os modos e a sabedoria da Brisinha, nem me toquei de perguntar seu nome antes de ela partir e, logo, era a vez de o Vento da Tarde também me deixar.- Foi uma boa prosa, poeta, mas agora que você já sabe, vê se faz um poema porrada, para acordar os humanos para a importância da natureza. Eu sei que você consegue! A propósito, cuide melhor da pitangueira. Ela anda precisando de uma poda e uma boa adubagem. Vai por mim que ela vai te agradecer com frutas e perfume.Voltei para casa ainda inebriado com a tarde e o presente que os meninos haviam me dado, ao me ensinar a fala dos ventos. Eu, agora, tinha mais um canal de aprendizagem e dois novos amigos. E já tinha começado aprendendo a respeitar a escolha amorosa de um vento. Um bom começo.Vicente SáFlorada das oliveiras de Vicent Van Gogh

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Fonte Segura: Central de Jornalismo

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